terça-feira, 24 de março de 2015

Adeus, Herberto Helder.

Lá vai a bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo, por um dia de verão
exemplar. De pulmões às costas e bico
no ar, o poeta pernalta dá à pata
nos pedais. Uma grande memória, os sinais
dos dias sobrenaturais e a história
secreta da bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais —
lá vai o poeta em direcção aos seus
sinais. Dá à pata
como os outros animais.
O sol é branco, as flores legítimas, o amor
confuso. A vida é para sempre tenebrosa.
Entre as rimas e o suor, aparece e des
aparece uma rosa. No dia de verão,
violenta, a fantasia esquece. Entre
o nascimento e a morte, o movimento da rosa floresce
sabiamente. E a bicicleta ultrapassa
o milagre. O poeta aperta o volante e derrapa
no instante da graça.
De pulmões às costas, a vida é para sempre
tenebrosa. A pata do poeta
mal ousa agora pedalar. No meio do ar
distrai-se a flor perdida. A vida é curta.
Puta de vida subdesenvolvida.
O bico do poeta corre os pontos cardeais.
O sol é branco, o campo plano, a morte
certa. Não há sombra de sinais.
E o poeta dá à pata como os outros animais.
Se a noite cai agora sobre a rosa passada,
e o dia de verão se recolhe
ao seu nada, e a única direcção é a própria noite
achada? De pulmões às costas, a vida
é tenebrosa. Morte é transfiguração,
pela imagem de uma rosa. E o poeta pernalta
de rosa interior dá à pata nos pedais
da confusão do amor.
Pela noite secreta dos caminhos iguais,
o poeta dá à pata como os outros animais.
Se o sul é para trás e o norte é para o lado,
é para sempre a morte.
Agarrado ao volante e pulmões às costas
como um pneu furado,
o poeta pedala o coração transfigurado.
Na memória mais antiga a direcção da morte
é a mesma do amor. E o poeta,
afinal mais mortal do que os outros animais,
dá à pata nos pedais para um verão interior.
de Cinco Canções Lunares

quinta-feira, 19 de março de 2015

Mas leio, leio. Em filosofias tropeço e caio, cavalgo de novo meu verde livro, em cavalarias me perco, medievo; em contos, poemas me vejo viver. Como te devoro, verde pastagem. Ou antes carruagem de fugir de mim e me trazer de volta à casa a qualquer hora num fechar de páginas? Tudo que sei é ela que me ensina. O que saberei, o que não saberei nunca, está na Biblioteca em verde murmúrio de flauta-percalina eternamente.
(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 17 de março de 2015

quinta-feira, 12 de março de 2015

terça-feira, 10 de março de 2015

Yas(min)


É bem difícil falar, sabe?! A impressão que eu tenho às vezes é que as pessoas não compreendem a nossa sintonia e no fundo somos duas malucas, mas eu não acho isso. Acho até que somos mais parecidas do que parecemos. Eu não acho que exista acaso. Tudo tem um porquê, tudo tem um tempo certo e uma lição (que pode ser boa ou ruim), mas a gente tem que decifrar.

Quando você falou das coisas que tem acontecido por aí eu pensei em muitos momentos da minha vida e percebi que cada um deles me ensinou muita coisa, apesar de alguns também terem me feito sofrer. Pra mim as coisas surgem para mostrar algo, talvez seja a sua real escolha. Pela primeira vez você sente a necessidade de rotular (e nem sempre isso se apresenta de uma forma ruim). As escolhas são necessárias.

Ao mesmo tempo, você sabe que as coisas necessitam ser digeridas. É isso! Você chegou aí faz pouco tempo, foi absorvendo tudo, foi assimilando coisas, pessoas, sons, poesia. Agora dê o tempo que o seu organismo precisa pra colocar tudo no lugar. E vai chegar o momento em que tudo vai ser tão cristalino que não precisará de toda essa racionalidade que o momento exige de você.

Eu estou dizendo tudo isso por experiência. Mesmo. Da vez que eu me deixei ser totalmente emocional acabei me perdendo. Só fui me encontrar depois de me permitir questionar, rotular e aceitar.

O poeta tem que estar só. Para estar poeta, precisa da solidão. A solidão está sempre aberta, como uma porta por fechar. Às vezes isso nem é muito claro. Mas o poeta persegue-a sempre. Precisa de se esconder no universo cheio de nada, precisa que este o absorva - em boa verdade, precisa que o absolva. Todos os crimes são absolvidos, quando se está só (é essa última frase é a mais real de todas!!!) Claro que o vivido nunca se apaga. Não; escreve-se. O vivido-sentido escreve-se. O poeta escreve a sua experiência nas folhas imaginadas, nas páginas brancas, no blog zen. A solidão não é a prisão. É a única liberdade que o poeta deixa que se outorgue a um estado de espírito. Todos os estados de espírito corroem a alma do poeta. A solidão amacia-a, acalma-a. O poeta tem mesmo que estar só.

Nem sempre é preciso estar só. A solidão treina-se vagamente, sem grande plano. Basta sair à rua e não falar muito, cumprimentar um ou outro doido que pensa ser nosso amigo - e que na maior parte das vezes é, mas naquele momento o poeta desconhece esse poder imenso que é a amizade.

É preciso afinar a solidão, porque ela ajuda na digestão. O poeta é o mecânico da sua própria solidão. Nunca tem uma mesa só para ele. Procura vários espaços para ter parada. Nunca está devidamente confortável (porque vivemos no mundo da inutilidade!) - talvez isso nem sequer exista. Vaguear entre mesas: processo pelo qual se verifica a necessidade da solidão por parte do poeta.

Eu não sei se disse muita coisa que seja útil. Você sabe que eu sou melhor na prosa do que no verso. Mas nesse momento o meu conselho é ver-só.

Não tenta decifrar o que precisa ser digerido. Escreve. Escreve porque você faz isso melhor do que ninguém. Canta porque a sua voz é linda. Toca porque o seu coração bate nesse ritmo único. E depois, percebe que pra tudo isso cabe um pouco de solidão. As coisas vão acontecer assim que você estiver pronta pra sair da caverna de Platão e ver a luz.

Depois que isso acontecer, segue a luz e sente o estômago vazio. Aquela sensação de borboletas no estômago... E daí vive o Amor.