segunda-feira, 18 de junho de 2012

O Escafandro e a Borboleta - Le Scaphandre et le papillon


              

                Jean-Dominique Bauby  importante jornalista e escritor francês sofre um acidente Vascular Cerebral e entra em coma. Quando acorda é surpreendido pela notícia de que ele não pode mais se mobilizar –, não pode comer e nem respirar sem auxílio de aparelhos , conversar – só através de um olho! Embora o seu estado físico tenha sofrido demasiadamente com o acidente, seu intelecto encontra-se lúcido. Mesmo desejando a morte no início, Jean reage e toma a decisão de ESCREVER. Utilizando um sistema de comunicação original – com ajuda da fonoaudióloga – ele expressa sua experiência, seus sentimentos.
                Vivendo em seu escafandro ele interage com o mundo. E ao escrever o livro “O Escafandro e a Borboleta”, ele se liberta. Assim como a borboleta saindo de seu casulo. Com o corpo preso e a consciência liberta, ele vive o antes – sua vida sem a experiência do acidente  e o agora. Num misto de tristeza, aflição e grande emoção somos capazes de perceber o quanto falta para percebermos a nossa liberdade e capacidade. Mas às vezes eu me pergunto: Por quê devemos esperar os medos, as inseguranças e as dores nos mostrarem esses valores?

A princesa e os príncipes


“Esta história será feita de palavras que se agrupam em
frases e destas se evola um sentido secreto que
ultrapassa palavras e frases.”
(Clarice Lispector)

– Está tudo bem, minha linda! Agora descanse um pouquinho! A cirurgia foi um sucesso e a mamãe não sairá do seu lado! Marina – deitada num leito – olha pela janela e vê o azul do céu muito brilhante sorrindo. Não haviam mais aparelhos ou sondas como os fragmentos da sua memória mostravam. Não era sonho – dada a realidade –, mas poderia ser – dada a sensação. Era uma menina, uma linda menina. Havia acabado de passar por uma complicada cirurgia. Usava um vestido deslumbrante em tons degradês de um verde esperança que quando era tocado pelo vento assemelhava-se ao movimento das ondas do mar. Os seus olhos brilhavam e agradeciam o amor de sua família. Naquele momento ela pensava em como a dor foi capaz de lhe mostrar a importância do amor e da união daqueles que se amam. Quando eu crescer quero ser corajosa igual à mamãe. Sua voz – ainda rouca – chamou pelo pai e pelos dois irmãos. Queria ver todos os lábios ao seu redor sorrindo, todos vibrando por sua vitória. Dona Maria já não era capaz de distinguir se era noite ou dia, havia passado a semana toda dentro daquele hospital ao lado do seu tesouro mais precioso, sua filha. Mas dona Maria nunca se esquecera daquela frase cuja última palavra tem o seu nome, e depois da tempestade veio a calmaria, calma-maria.
Do outro lado da cidade, seu José e os dois filhos – Mário e Murilo – sobem no ônibus que levará os três até o hospital que Marina habitou por tanto tempo. Hoje é dia de alegria. – Papai! Estamos chegando? Estou com tanta saudade da Mari! O pai daquela família batalhadora fixa os olhos no movimento da gota de chuva que vai caindo no vidro e passa o percurso todo imaginando como estará sua esposa e sua filha. Faltam apenas três dias para Marina voltar para nossa casinha.
– Papai, papai! Fala comigo! Estamos chegando?.
– Fiquem quietinhos! Daqui a pouco chegaremos e vocês poderão ver a nossa princesinha. Mas, por favor, não façam bagunça no hospital. Lá é um lugar onde o silêncio deve reinar.
– Ué, como assim papai? Tem um rei no hospital? E a Mari virou princesa? O que se reina?
Só aquelas crianças eram capazes de fazer o seu José sorrir naquele momento. A ansiedade e a emoção eram nítidas em seus olhos que confundiam com o brilho da gota de chuva, a chuva que fechava o verão e caia sobre os olhos daquele pai.
– Ah, meu Deus! Não, meus filhos! Não tem rei nem reino. Quando o papai falou “reinar”, eu quis dizer que deve predominar o silêncio, que no hospital não pode fazer barulho, entenderam? Agora, quanto a Mari ser uma princesa isso ela é, pelo menos pro papai.
– Mas se a Mari é princesa, eu e o Mário somos príncipes?
– Eu quero ser príncipe, papai!
– Então os príncipes estão prontos pra descerem da carruagem e visitarem a princesa no castelo silencioso?
         Em coral, os meninos respondem sorrindo: – Sim, vossa majestade!
O pai e os filhos com passos rápidos chegam até a recepção do hospital, digo, do castelo. Seu José segura nas mãos dos meninos que permanecem quietinhos, mas trocando olhares cheios de ideias. Já tinham pensado até na coroa que seria feita com os jornais guardados no armário que ficava no quintal de casa. Então, seu José, o majestoso rei, chega ao quarto 310, respira fundo e abre a porta. Mário e Murilo correm pra cama de Marina.
– Mari, Mari! O papai falou que você agora é princesa e eu e o Mário somos príncipes.
O rei dá um beijo na testa da princesa de vestido verde e depois de algumas palavras carinhosas deixa a princesa conversar com os príncipes do castelo. – Só não esqueçam da ordem do rei: No castelo deve-se falar baixinho e nós só temos uma horinha com a princesa. Nada de bagunça!
Dona Maria e seu José sentam-se num sofá e observam as crianças. Ela chora tentando esconder as lágrimas, é um choro que alivia. Seu José lhe diz palavras bonitas e demonstra todo o orgulho que sente da esposa com um abraço muito apertado e com o seu ombro amigo que conforta e lhe dá forças pra seguirem em frente nesse momento novo de suas vidas. Em breve Marina chegará em casa e a estrela de cinco pontas que é aquela bela família brilhará ainda mais forte. Os minutos correm enquanto o casal conversa, se emociona e relembra os momentos mais difíceis do tratamento de Marina. – Meu bem, você se lembra como foi difícil conseguir vaga num bom hospital? E como era difícil conseguir alguém pra ficar com os meninos? – Amor, foi realmente uma fase difícil, mas agora vamos nos acalmar e procurar aprender com tudo o que passamos durante esse período. Veja os nossos meninos! São outras preciosidades que sentem sua falta e precisam de atenção também. Ontem mesmo Murilo veio me perguntar porque a mamãe não dormia mais em casa há dias, se ela tinha esquecido do seus pestinhas...
A enfermeira entra dizendo: – um grande poeta já disse: “o passado é lição para se meditar, não para se reproduzir”. Os pais de Marina se entreolharam e com uma longa piscada de olhos mostraram a Angélica que tinham compreendido o que ela havia dito. – Meninos! Agora a Mari tem que dormir e ficar bem descansadinha... Se preparar para voltar pra casa.
– Moça, nós não somos meninos comuns. Somos príncipes e a Mari é princesa. Você sabia?
– Ah, é?! Eu não sabia. Mas então vamos deixar essa princesinha tirar um sono de beleza pra voltar pro castelo?
O momento da despedida se aproximava. Dona Maria não conseguia soltar as mãos de seu José. Seu coração sangrava, seus olhos enchiam de lágrimas, sua boca proferia palavras de agradecimento, amor e orgulho pela bela família. Os filhos estavam tão alegres por terem conseguido ver Marina. Murilo chegou a prometer que quando a princesa estivesse chegando de volta ao castelo haveria uma grande festa. Mário implorava por mais cinco minutinhos ao lado da irmã. A mãe mostrando a enorme felicidade por tê-los com ela, dizia que Murilo estava certo. A rainha olha para o rei, os príncipes e a princesa dizendo: – o príncipe Murilo tem toda razão. Daremos uma festa em nosso castelo assim que nossa princesa voltar. Peço aos meus príncipes que ajudem o rei a preparar o castelo nesses poucos dias que temos para o grande evento.
Nos dias que se seguiram dona Maria e Marina passaram no hospital aguardando a liberação dos médicos. Seu José acordava cedo pra fazer o café, chamava os meninos, os levava na escola e seguia para o trabalho. No longo caminho que tinha pela frente pensava na frase de Angélica. Um filme passava em sua cabeça. Aos 13 anos já trabalhava ajudando o seu pai. Só conseguiu frequentar a escola por quatro anos. Casou-se com 17 e foi pai aos 18. Anos depois já tinha seus três filhos lindos. Quando Marina fez 12 anos descobriram que ela estava muito doente e necessitava de grande atenção. Neste período o seu mundo caiu. Sua esposa era um anjo. O amor daquele casal foi capaz de resistir à fome, à dor e ao sofrimento. Agora era hora de recomeçar... Não viveria mais do passado, já havia aprendido muito com ele.
Sábado ensolarado. Céu azul e arco-íris lá longe. Bandeirinhas de papel colocadas no varal de dona Maria. Murilo e Mário traziam nas mãos vasinhos de flores. A kombi buzina. O coração dos três salta para a boca. As duas majestosas mulheres – a rainha e a princesa – descem e vão de encontro aos demais importantes membros daquele humilde castelo. A sensação de felicidade é indescritível.
– Mari! Pegue a sua coroa! Fizemos pra você, princesa!
– Vocês são ótimos irmãos, sabia?
– Ah, Mari! O papai disse que você nos deu uma grande lição. Ele falou que devemos ser sempre bondosos e pensar no próximo.
– Mário! O papai também disse que agora nós vamos começar uma nova fase, que não devemos viver com olhos no passado, mas nunca esquecer tudo aquilo que ele nos ensinou.
Os dias que vieram não foram dos mais fáceis. Afinal, o famoso “felizes para sempre” aparece apenas nos contos de fada. Dona Maria cuida do castelo, do rei, da princesa e dospríncipes. O seu José continua trabalhando muito para dar conforto às crianças. E essas, tornam-se a cada dia seres humanos mais sensíveis e admiráveis porque aprenderam que “as pessoas mais felizes não têm as melhores coisas, elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos” (LISPECTOR, 1993: 21).