Uma breve resenha de "Literatura
para quê?"...
Para responder à essa
questão, Antoine Compagnon divide sua explanação em duas perguntas: "Por que e como falar de literatura francesa moderna e contemporânea no século
XXI?" O autor inicia dizendo como falar de literatura. O que nos parece mais claro é uma bipartição na hora de
tratar de literatura. Teríamos, de um lado, "a tradição teórica [que]
considera a literatura como una e
própria, presença imediata, valor eterno e universal; a tradição histórica
[que] encara a obra como outro, na
distância de seu tempo e de seu lugar". O autor faz uma observação
interessante e nos diz que as cátedras de literatura francesa no Collège de
France ora pendiam para um ramo, ora para outro.
Compagnon
segue sua conferência apoiado no aparato teórico como viés metodológico e
oferece o contexto da produção literária através da história. Além disso, deixa
claro que pretende estudar a literatura francesa do Renascimento ao século XX
(de Montaigne a Proust). Após tratar da herança francesa dos estudos
literários, o autor começa a explicitar o porquê
de se estudar literatura. Inicia essa questão propondo algumas perguntas que
são compartilhadas com o público. "Quais valores a literatura pode criar e
transmitir ao mundo atual? Que lugar deve ser o seu no espaço público? Ela é
útil para a vida? Por que defender sua presença na escola?" Nos parece
muito interessante pensar todas essas questões, mas em especial a última.
Também é importante dizer que essas são questões pensadas, sobretudo, após as
Grandes Guerras.
Mais
adiante ele ainda diz: "Há realmente coisas que só a literatura pode nos
oferecer? A literatura é indispensável, ou ela é insubstituível? Na tentativa
de responder todas essas questões, Compagnon apresenta algumas explicações. Num
primeiro momento trata da função e do valor da literatura como
constituição do ser humano. Para isso apoia-se no conceito de mímesis, de Aristóteles. A literatura
que instrui e deleita ao mesmo tempo. Em segundo lugar apresenta o "poder
da literatura" que surge no "Século das Luzes" e refere-se a ela
como um remédio, que dá autonomia e libertação ao leitor. Em todo caso, não
deixa de lado o seu caráter deleitante. Sob essa ótica nota-se que existe uma
forma política bastante marcada na literatura. O terceiro "poder"
estaria relacionado à correção da linguagem que a literatura é capaz de
proporcionar, seria a linguagem poética que ultrapassa as fronteiras da
linguagem ordinária (os avanços na representação do homem no mundo). Por último,
Compagnon nega o poder da literatura além do exercício dela mesma. O autor diz
que a literatura seria a área do "fora do poder". "A literatura
pode divertir, mas como um jogo perigoso, não um lazer anódino".
Quando sua conferência vai chegando
ao fim, Antoine Compagnon fala que “a recusa de qualquer outro poder da literatura
além da recreação pode ter motivado o conceito degradado da leitura como simples
prazer lúdico que se difundiu na escola do fim do século”. Em relação a essas
formas de representação que rivalizam com a literatura o autor diz que “a
literatura não é a única [que introduz a inteligência da imagem], mas é mais
atenta que a imagem e mais eficaz que o documento, e isso é suficiente para
garantir seu valor perene”.
Nos parece pertinente fazer um paralelo com Antonio
Cândido no tocante a função humanizadora da literatura. A esse respeito o que
ele diz é que
"o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais,
como o exercício da reflexão, a aquisição de saber, a boa disposição para com o
próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da
vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o
cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na
medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a
sociedade, o semelhante. (1995, p. 249)
Em todo caso, embora haja
convergência nesse aspecto, os autores divergem quanto ao poder emancipador da literatura. A esse respeito, Antoine Compagnon
diz que "seu poder emancipador continua intacto, que nos conduzirá por
vezes a querer derrubar
os ídolos e a mudar o mundo, mas quase sempre nos tornará simplesmente mais
sensíveis e mais sábios, em uma palavra, melhores”.
Durante toda a aula Compagnon apresenta diversas
questões, inclusive, sobre a validade e permanência do discurso literário. Além
disso, apresenta comentários de extrema relevância para nós, futuros
professores de literatura. A esse respeito não seria mais adequado falar de
leitura literária ao invés de literatura? Nesse sentido, Leyla Perrone-Moisés, em Inútil Poesia, diz que a literatura como
entendemos hoje não é ensinável, mas é possível que exista a leitura literária, e isso deve
fundamentalmente existir através do aprendizado. Afinal, "se os
professores negligenciarem a tarefa de mostrar aos alunos os caminhos da
literatura, estes serão desertados, e a cultura como um todo ficará ainda mais
empobrecida." (2000, p.350-351).
Sem
dúvida nenhuma, Literatura para quê, é
um livro indispensável para aqueles que se interessam pelo literário e se
preocupam com a literatura do século XXI. Nas páginas finais do livro, Antoine
Compagnon continua a nos questionar: "Respondi às perguntas que coloquei
há pouco? Literatura para quê? A literatura é insubstituível?". Em
seguida, responde: "Ela sofre concorrência
em todos os seus usos e não detém o monopólio sobre nada, mas a humildade lhe
convém e seus poderes continuam imensos; (...) O exercício jamais fechado da
leitura continua por excelência do aprendizado de si e do outro, descoberta não
de uma personalidade fixa, mas de uma identidade obstinadamente em devenir."