sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Festa no Covil – Juan Pablo Villalobos


O Youcalt é meu pai, mas ele não gosta que eu chame ele de pai. Diz que
 somos o melhor bando de machos num raio de pelo menos oito quilômetros. O 
Youcalt é dos realistas, e por isso não diz que somos o melhor bando do 
universo nem o melhor bando num raio de oito mil quilômetros. Os realistas são
 as pessoas que acham que a realidade não é assim, como você pensa que
 é. Foi o Youcalt que me falou. A realidade é assim, e pronto. Sem chance.
 ‘É preciso ser realista’ é a frase favorita dos realistas”. (Festa no Covil)


         Festa no Covil, do escritor mexicano Juan Pablo Villalobos, adentra o cânone da narcoliteratura em grande estilo. A voz – fininha como de uma criança – que surge nas linhas deste livro, descreve a cruel e violenta realidade do tráfico de drogas no México através da ótica do inteligentíssimo Tochtli. Vivendo como um príncipe isolado do mundo real, o menino-narrador nos surpreende em vários sentidos! A narrativa ingênua do menino – filho de um traficante – demonstra que seu mundo foi construído através das conversas com os empregados do “palácio” ou pela televisão. Seu passatempo é desvendar mistérios, colecionar chapéus, pesquisar palavras difíceis, saber mais sobre samurais, reis, animais em extinção e outros assuntos. Nesta árdua tarefa ele é auxiliado por um fracassado escritor que não mede as palavras diante do seu amiguinho.
              Tochtli também deseja ganhar um hipopótamo anão da Libéria. E por mais surreal que possa parecer, o pequeno garotinho pode conseguir um hipopótamo desse para completar o seu pequeno zoológico que fica no “quintal” do seu “palácio”. Esse sonho poderá ser realizado quando a família precisa abandonar o México por conta da perigosa situação de seu pai – que o proíbe de lhe chamar de “pai”. Então, inicia-se o safári para captura do tal hipopótamo. Numa viagem à África cheia de aventuras e percalços revela-se um quadro cômico e assustador; o coração do crime para além do bem e do mal.
            “Festa no Covil concentra em suas poucas páginas um panorama impactante e sem moralismos da violência do narcotráfico em meio a outras violências, pelos olhos límpidos e pela voz surpreendente de uma criança à beira do abismo de seu destino”.
Recomendo a leitura!



domingo, 5 de agosto de 2012

Como Estrelas na Terra


“No mundo, há essas pequenas pedras preciosas,
que desafiaram os caminhos do mundo, pois podiam
olhá-lo com olhos diferentes. Seu pensamento era
distinto e nem todos os entendiam. Eles enfrentaram
oposi
ç
ão e, ainda assim, venceram, e o mundo ficou maravilhado”.

            Assistir “Como Estrelas na Terra” foi muito emocionante! Além de ser um filme muito especial, dialoga com o conto que escrevi há pouco tempo, “A dona Perfeição” – que feliz coincidência!
            O filme retrata a história de um garoto com dislexia. Ishaan é uma criança que vive cercada de pessoas incapazes de compreender sua diferença. A falta de trato de sua família, a incompreensão dos professores rigorosos do colégio, e a falta de cuidado das crianças que o rodeiam produzem crescentes barreiras nas relações de Ishaan com o mundo.
            As músicas que perpassam as cenas do maravilhoso filme indiano são parte importantíssima na construção da história; aliadas às imagens do protagonista, traduzem sua visão de mundo e a percepção que constrói dos fatos – o que revela a absoluta impossibilidade de redução das múltiplas facetas de sua existência à realidade da dislexia.
        Primeiro, observamos por parte da família de Ishaan a tentativa de se moldar a uma vida demasiadamente regrada.  Toda sua família vive se adaptando a horários, compromissos, e se esquece de viver as coisas belas da vida! Na escola, as crianças são privadas da liberdade, os alunos devem apenas escutar, obedecer e seguir regras de organização. Para Ishaan as coisas não fazem sentido – “Seus olhos berram por socorro” -, os questionamentos são tantos que o nervosismo toma conta de seu corpo. O menino passa a se comportar mal na tentativa de fugir das situações.
            Todas essas ocasiões desagradáveis fazem com que seu pai se torne agressivo e pense que ele é um menino desrespeitoso, preguiçoso e desatento. Ao invés de ter o apoio da família, Ishaan vai aos poucos se isolando de tudo e de todos. O que fazer para Ishaan reagir? O pensamento egoísta de seus pais leva-o a um colégio interno. O pobre garoto inicia seus pesadelos na solidão daquele lugar.
            Neste momento aquele velho ditado de que “a mãe sempre sabe o que é melhor para o filho” é desconstruído. Sua mãe – muito passiva – não é capaz de enfrentar o pai e entender o que se passa com Ishaan. O garoto acaba por sofrer as consequências! Naquele colégio o que deve reinar é a disciplina. As crianças devem agradar aos seus professores, isso basta! Longe de todos que ama, torna-se um menino apático, sem vontade de interagir, sem curiosidade, sem alegria; Inicia-se um processo de autodestruição.
            Então, surge um professor de Educação artística, Nikumb. É uma pessoa sensível cheia de visões “humanizadoras” em relação ao ensino. No início, é um professor muito criticado por todos os outros membros docentes do colégio que preparam os seus alunos para a “batalha da vida”. Iniciamos reflexões acerca do real papel do educador. Como podemos admitir que adaptar as crianças a um mundo competitivo e alienante pode ser a função de um professor?
            Nikumb inicia uma investigação para descobrir qual é o real problema de Ishaan. Analisa os seus cadernos, conversa com o seu único colega e percebe que existe algo diferente – mas especial – naquele garotinho tristonho. O professor, então, resolve procurar os seus pais. Chegando lá ele não só diz o que está se passando com Ishaan, como também faz seus pais refletirem quanto as implicações de se ter um filho. Indignado, o professor percebe que o seu pai está preocupado com seus próprios desejos; sua preocupação maior é se ele terá de “bancar” seu filho por toda a vida. Não importa se seu filho está infeliz!
            De volta ao colégio, Nikumb começa a instigar Ishaan a se interessar pelos estudos. Os progressos começam a surgir. O pai de Ishaan aparece um dia no colégio para conversar com o professor de artes que lhe fala sobre a importância de apoiar o filho, de encorajá-lo e lhe dar carinho. Ishaan passa a compreender as atividades e identificar-se com o professor que entende seu mundo.
            Quando o filme vai chegando ao fim: professores, alunos, pais e Ishaan reconhecem as limitações de cada um. Numa das cenas mais lindas do filme – num concurso de desenho, que Ishaan vence – a felicidade volta a aparecer na face daquele garoto. O reconhecimento, a sensibilidade, e a busca pelo conhecimento – pelas mais diversas vias – são algumas das lições que ficam em nossos pensamentos.