Observamos a existência de uma relação dialética entre pensamento e linguagem. Talvez não seja possível definir a precedência de um elemento sobre o outro. Neste sentido, o uso da língua deve estar em consonância com aquilo que se concebe acerca de uma dada prática social. No tocante ao objeto do texto, devemos esclarecer que entendemos a fala médica como uma interlocução de alta complexidade, ocorrida em situações específicas: os processos de tratamento médico de doentes. A própria definição que damos a tal processo pressupõe a existência de pelo menos dois elementos, o médico e o paciente. Portanto, há de se estabelecer entre ambos uma dialógica. Infelizmente, ainda predomina em hospitais, clínicas e consultorios uma visão marcada de esteriótipos bem delimitados - médico como detentor de saber em relação à saúde e pacientes como um simples objeto inerente à prática médica.
A fala médica não pode deixar de ser entendida como uma prática geradora de consequências, indissociavelmente ligada às ações profissionais do médico. Nossa ponderação não defende a anulação do papel social do médico em prol do estabelecimento de relações pessoais. Entretanto, a atuação do profissional de medicina deve levar em conta o caráter humano que lhe é inerente, como a qualquer prática social. Destarte, o médico que buscasse compreender a fragilidade e emoção que envolve o paciente/família passaria a identificar-se com o Outro, quebrando a hierarquia médico-paciente; mais satisfatório seria o diálogo para ambos. O médico tomaria um posicionamento mais solidário e humanizador, dando uma chance à fala do paciente e seus familiares. Por outro lado, o paciente criaria mais confiança no médico - de modo a vê-lo como um aliado na luta contra a doença. O processo de tratamento decorrente de tal relação seria fundamentalmente uma construção coletiva.
Analisando a questão da linguagem de um ponto de vista pragmático, entendemos que a enunciação do médico tem o poder de construir uma força "curativa" e transformadora. Pressupondo que uma fala tem seu sentido sempre reconstruído pelo interlocutor, abre-se espaço para uma vasta gama de interpretações, sempre baseadas no repertório cultural desse receptor. Essas interpretações são potenciais geradoras de atitudes por parte do paciente. A própria compreensão do diagnóstico facilita a implementação de modalidades de tratamento; obtém-se a colaboração do paciente. Sem recorrer a quaisquer análises teóricas, podemos afirmar a partir de nossa experiência de vida que o diálogo praticamente inexiste em boa parte dos casos. Diagnóstico e subsequente prescrição médica se fazem à revelia do próprio paciente, ao qual resta a perplexidade e, o mais cruel, a passividade. Analisemos uma situação:
Médico 1: "Não temos mais o que fazer, agora é só esperar"
Médico 2: "O caso é extremamente grave, mas vamos continuar lutando"
Na fala do médico 1 percebemos o enorme distanciamente entre ele e o paciente. Poderíamos pensar que essa fala reflete a tentativa de afastamento do próprio sentimento do médico, na medida em que este enxerga o paciente como uma doença e, portanto, apenas um objeto sobre o qual exerce uma ação. Já a fala do médico 2 não escamoteia a gravidade do diagnóstico; todavia, a partícula "mas" exerce uma dupla função: (i) relativiza o teor da primeira sentença e (ii) propõe uma alternativa. O próprio termo "vamos" coloca o médico na condição de parceiro do paciente. A possibilidade de cura, portanto, não está perdida, visto que o médico apresenta como um processo ainda em curso, dependendo tanto de suas ações como da atitude do próprio enfermo.