Tem dias que a gente muda, se sente mudado. Em seguida, somos pegos novamente pelo antigo eu. Mudar significa dar um salto no escuro, somos laçados no desconhecido. Não há o chão firme e o caminho que já conhecemos em todos os seus atalhos, falta certezas.
Na mudança temos que nos despir. Ficamos nus e questionamos nossos valores, nossos princípios, nossas crenças. Temos que enxergar o que não é mais permitido. Temos que remexer as feridas. Temos que vestir uma nova roupa que ainda não tem a forma do nosso corpo e ainda não sabemos se ela cairá bem. Mudar é puro risco.
Quando começamos a achar que estamos mudando começam as dificuldades. Tudo aquilo que era super importante pra nós passa a ser nada além de conservas culturais, idealizações, ilusões.
Ao desejarmos mudar achamos que este “novo” será um comportamento duradouro, mas duradoura é essa bagagem que trouxemos e não conseguimos nos desfazer como uma limpeza pesada pós-obra, quando mandamos tudo o que não presta embora.
Infelizmente a todo momento somos pegos pelo mesmo “modus operandi”. Ele não favorece e não tem urgência em mudar. A transição pode apresentar recaídas. Daí você percebe que voltou a estação inicial dessa viagem que parece nunca ter fim (e não deve ter mesmo!).
O comportamento repetitivo para o bem ou para o mal ajuda a pensar sobre o que faz as pessoas permanecerem com suas respostas engessadas, acompanhadas de prazer e desprazer. Pensando de forma lógica, aquilo que causa prazer e/ou desprazer, também causa repetição. Pontos de satisfação causam repetição. O pior é que às vezes nos convencemos do que será bom pra nós, mas nossas vidas já tiveram momentos tão felizes com essa mesma postura que parece difícil sair dessa “zona de conforto” (embora não haja conforto algum!).
Quando dizem que eu pareço ter um pensamento de criança eu penso: as crianças fazem isso. Crianças pedem toda hora para repetir de forma incansável uma atividade que lhes trouxe satisfação. Ouvir “eu te amo”, por exemplo, me faz muito feliz e eu penso que jamais haveria um esgotamento dessa sensação de prazer. No entanto, pra outrem, pode sufocar.
As mudanças geram muita ansiedade. No ato de mudar existe um empecilho: mudar significa, primeiramente, analisar o comportamento atual, ou seja se autoconhecer. Se conhecer dói. Tocamos aonde dói, remexemos a ferida, nos mutilamos.
Pensar sobre o comportamento é algo que aumenta ansiedade, a forma mais fácil de minimizá-la é simplesmente desviar o foco, interrompendo o pensamento. Daí voltamos a correr o risco de fazer mal a outra pessoa, vê-la chorar. E volta a doer na gente. Voltamos à estaca zero.
Ao imaginar, por exemplo, uma situação de conflito onde a mudança de comportamento seria benéfica: um casal, cuja fonte de atrito é o desejo por parte da mulher de ter do companheiro contínuas manifestações de afeto, contra o desejo dele de poder “ser ele mesmo”. Diante disso surgem sentimentos de frustração e menos-valia entre ambos.
Mas o que aconteceria se os protagonistas começassem a pensar na relação que tem com o outro, sobre seus comportamentos, sentimentos e suas consequências? Às vezes um lado já faz isso, mas e o outro que toda hora volta a estaca zero?
Seria o momento de refletir o que lhe causa tanto bloqueio, porém mexer no lixo emocional gera prejuízos e maior ansiedade, e na maioria das vezes são eles que alimentam os conflitos no presente.
O que dificulta a mudança do comportamento não é falta de capacidade de pensar sobre os problemas, mas sim uma espécie de “armadilha” emocional que visa manter o indivíduo na zona de conforto, através da evitação dos pensamentos.
Sempre que pensar sobre algo gerar tensão, a primeira reação será combater este pensamento. Como isso geralmente dá certo compreende-se porque é tão comum as pessoas pensarem pouco sobre seus próprios comportamentos e tenham tanta dificuldade em modifica-los.
Olhar para si é complexo, demanda tomada de consciência e ação, por isso olhar para o lado e não entrar em contato consigo mesmo preserva o emocional de tensões e cobranças internas que incitam a mudança.
Há os que usam a renúncia como estratégia para lidar com a vida e logo percebem que escolheram ficar fora de seu próprio jogo, em vez de participar com entusiasmo. (Eu mesma vivo no mundo da lua, vivo fora do jogo e sinto-me culpada em reconhecer isso).
Estar envolvido em um processo dinâmico de mudança contínua conduz ao enriquecimento pessoal, mas nem sempre temos força pra enriquecer.
Pensar sobre o comportamento e efetuar as mudanças, mesmo que doloroso, tende a trazer a longo prazo mais benefícios, pois os conflitos já compreendidos e trabalhados tendem a exigir menos emocionalmente, disparando menos os mecanismos de ansiedade e aumentando a qualidade de vida. É nisso que devemos focar. No sorriso e no orgulho que podemos sentir e dar a quem amamos.
Mas, respondendo a pergunta inicial: porque o ser humano é complexo. É difícil. E ele sente dor.